Por mais que o idioma seja diferente entre Brasil e Estados Unidos, para muitos essa questão não é a que mais causa estranheza a quem convive e/ou já teve a oportunidade de estar nos dois países e eu me incluo nisso. Até hoje, mesmo morando no Texas há quase três anos, ainda tenho dificuldade em lidar com a gorjeta de serviços.
Muito diferente do que acontece no Brasil, as gorjetas aqui fazem parte do salário dos garçons. Ou seja, não é um “extra”, muito menos um “agradecimento” pelo serviço prestado. A regra depende do estado, mas geralmente se paga o mínimo de 10% do total pago se você ficou insatisfeito. Já se você achou o serviço regular, paga-se 15%. Agora, se o serviço realmente foi satisfatório, o valor da gorjeta é de 20% ou mais.
Quando cheguei aqui, cometi um erro que me fez compreender essa diferença cultural das gorjetas. Recebemos um atendimento impecável do garçom, mas na hora do pagamento, dei apenas 10% do ticket. Quando voltou à mesa trazendo os comprovantes, ele estava bem irritado e jogou as notas na mesa. Não entendi os motivos pelo qual estava me tratando mal, e percebi que algo tinha dado errado. Em poucos segundos me dei conta: dar 10% de gorjeta a ele significou que não gostei do seu atendimento, o que era um grande erro, pois ele tinha sido excelente Você já passou por situações como esta?
Algumas pessoas podem pensar que o garçom foi ignorante, mas eu considero que errei em não saber isso sobre a cultura, porque eu é que estava usufruindo dos serviços prestados. Ao tentar explicar a situação a amigos ou familiares, muitos não entendem a regra, especialmente porque no Brasil o valor do salário do garçom já está embutido no valor repassado ao consumidor no produto que ele escolhe.
Nos Estados Unidos isso é muito diferente. No mercado, por exemplo, o preço da etiqueta só tem acréscimo do imposto ao chegar no caixa. No restaurante, a gorjeta não pode ser considerada uma atitude altruísta, dessas que fazemos como ato de solidariedade. Se você não paga o ticket, está errado, porque esse é parte do salário do garçom. Recomendo, no entanto, consultar as leis de cada estado que você for visitar. Em alguns, há especificidades diferentes, sendo a gorjeta não-obrigatória ou então com valores fixos ou determinados. Fora que nem sempre você paga direto ao garçom, por vezes há caixinhas no balcão para você depositar valores simbólicos.
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Mais dinheiro circulando na economia
Independente se você é a favor ou contra a prática das gorjetas, fato é que esse é um dinheiro que movimenta a economia do país. Estima-se que em 2020, as gorjetas tenham injetado mais de $40 milhões de dólares na economia estadunidense.
É claro que esse valor não é apenas da equipe de garçons de restaurantes. Gorjetas também fazem parte da rotina de outros espaços, como lava-cars e hotéis. Neste último, inclusive, há uma discussão intensa sobre a má-distribuição das gorjetas entre os funcionários. Enquanto o homem que carrega as malas sempre ganha gorjetas acima de 10%, as arrumadeiras dificilmente recebem, e quando ganham, não ultrapassam 5%. Isso está muito relacionado à invisibilidade das mulheres nesta área, já que o serviço delas é realizado quando os hóspedes não estão no quarto, eliminando a pressão sobre o valor a ser pago. Se nesse mercado o público feminino acaba recebendo menos, quando olhamos para os dados relacionados a gorjetas em aplicativos, a história é outra.
Uma pesquisa realizada pelo economista John List, da Universidade de Chicago, mostrou que a doação de gorjetas para motoristas mulheres acontece muito mais do que a homens. Segundo List, mulheres possuem de 10% e 12% mais chances de receber, independente de quem está usufruindo do serviço. Os valores variam bastante. Dois em cada três passageiros dos Estados Unidos nunca pagam gorjetas, representando mais de 60% das viagens. Além disso, apenas 1% dos passageiros sempre dá uma gratificação para motoristas. Em um país “acostumado” a pagar, esse número realmente espanta. Será que os próprios americanos seriam contra a prática da gorjeta?
Outro dado interessante da pesquisa é que os passageiros com 5 estrelas são os que mais pagam gorjetas, assim como aqueles que viajam mais de uma vez com o mesmo motorista. Se a corrida for entre 3h e 5h da madrugada, as chances de receber uma gorjeta aumentam muito. E o motivo está relacionado ao fato de muitas dessas viagens serem business trips, que acabam sendo pagas por empresas, ou por passageiros voltando de festas, mais relaxados ou com comportamentos alterados pelo efeito de bebidas alcoólicas. Indo trabalhar ou depois de uma noite de festa somos mais generosos. Interessante, né?
É diferente, é cultural e quem chega deve respeitar a regra da gorjeta
Não podemos comparar o que acontece nos Estados Unidos com o que acontece no Brasil todo o tempo. As gorjetas, certamente, fazem parte de um rol de diferenças enormes entre os dois países, principalmente porque a construção social é distinta. Se pensarmos pela óptica brasileira, dificilmente pagaríamos valores tão expressivos ao atendimento recebido, mas é porque o valor do produto já tem o valor do preço do serviço agregado.
Nos Estados Unidos, eles reduzem o valor do produto para que você inclua a taxa de serviço pelo atendimento recebido. Essa prática ajuda os estabelecimentos a ofertarem valores mais atrativos ao mercado, porém, não se engane, o preço da propaganda nunca será o preço final a ser pago e se você me acompanha no Instagram, vai lembrar da situação que relatei ao contratar o caminhão de mudança anunciado a $19,90 por $154,95. E nesse caso nem gorjeta teve.
Gostando ou não, uma coisa é certa, assim como desejamos que as regras do Brasil sejam seguidas por quem é do exterior, aqui também temos que ter respeito em relação à cultura local.
Agora me conta, você já passou ou soube de alguma história relacionada a gorjetas nos Estados Unidos? Comente abaixo.